Um dia numa vida
Acordou aporrinhado.
Por uma indecisão: “Que gel utilizar?”
“Que gel?”
Saiu disparado da cama em direcção à casa de banho.
Pôs um pé em cima do tapete, executou uma espécie de “break dance” e levantou-se algum pó.
Era um dia importante.
Começou a proceder à higiene diária matinal ainda atónito.
A remela toldava-lhe a vista.
E, alguns momentos depois, outra ocorrência fulminou-o…
Não tinha uma camisa que conjugasse com o “bordeaux “ dos sapatos, logo hoje, neste dia de tanta importância.
Telefonar para a empresa de “catering”, passar pela esteticista, confirmar os arranjos florais, aconselhar-se com a decoradora, fazer compras… Que coisa tão desgastante!
E ainda por cima a aula de etiqueta!
Assim não havia quem aguentasse… Era sobre-humano.
Tinha que ter uma consulta extra, senão não aguentava.
Desceu as escadas e exigiu, autoritário, uma torrada à agente servil.
Deu-lhe uma dentada e limpou as migalhas inexistentes nos cantos dos beiços com o dedo mais chique que tinha…
Procurou o espelho mais próximo, retocou as sobrancelhas com saliva e marcou a consulta com uma margem de tempo que garantisse a pontualidade.
Não podia chegar em cima da hora.
A psicóloga não gosta… Fica irritadíssima!
E se por uma eventualidade suceder, lá está ela na porta da entrada, encostada com o ombro esquerdo e o sobrolho franzido, braços cruzados e a bater o pé.
E vacilar entre a improvisação de uma desculpa convincente e a não argumentação pode ser fatal.
Já no meio do trânsito, quase estanque, pensou que não chegou a decidir que gel acabou por se esquecer de aplicar.
O ser.