terça-feira, novembro 30, 2004

Foi pena a sotaina

Era de noite.
E chovia.
Lá longe, numa aldeia distante.
Onde a sociedade ainda era fechada e a religião governava.
E um íncola lá da aldeia ao passar junto à capela, vindo do tasco, ouviu ruídos.
Ruídos que vinham de dentro.
Estremeceu.
Depois a sobriedade restabeleceu-se, os olhos esbugalharam-se e voltou atrás o mais depressa que as pernas lhe puderam.
Entrou e não falou antes de beber. Sentou-se e resfolegou até que a tremedura amainou e lhe permitiu balbuciar palavras que se percebessem.
Não tardou muito até se formar a populaça cega.
Brandia enxadas, forquilhas, e paus apanhados a caminho.
E quando chegou ao local já o prognóstico era mais válido que uma escritura.
Se não era o diabo, era um discípulo.
E por isto, entre os cus onde não cabia uma agulha e os cantos da boca que espumavam, não havia quem se afoitasse.
Não havia, a não ser um peito que se pôs p’ra fora depois de se encher de valentia.
E entrou.
E assim se soube que o burro não tinha bússola.
E que roeu a sotaina à entrada da sacristia.

sexta-feira, novembro 26, 2004

Outra vez um chato

A melhor forma de destronar um ditador é colocar um chato no lugar de conselheiro.

quinta-feira, novembro 25, 2004

Quando já só resta ser-se bom

Estava no tasco, em frente ao balcão e ao espelho atrás dele, entre fumaças e cerveja quando duas conversas em períodos de tempo contíguos me solicitaram desabafo.
E eu, que ainda estava capaz, acedi com bonomia.
Onde está a curiosidade?
Chovia.
O dia estava cinzento como o ânimo nestes dias.
E os pântanos da alma, sob a capa do saudosismo e da nostalgia, que apanharam o polícia da personalidade com o boné sobre os olhos, tentaram trepar.
“Se fosse agora e soubesse o que sei hoje...”
Lá estava o casamento em pano de fundo...

sexta-feira, novembro 19, 2004

Da vida e coisas insolúveis

Há chamas, que por não se concretizarem, nunca se apagam.
E neste sentido, o casamento é um reles extintor.

quarta-feira, novembro 17, 2004

Chatos

Porque é que será que, quando me calha um chato na conversa, tenho tendência a meter a mão no bolso?

segunda-feira, novembro 15, 2004

Mais do mesmo.

Nem de propósito.
Depois de ser sabido que o sr. Lopes é uma pessoa assaz optimista, vem a público com um “confiem em nós.”
O que me leva logo a colocar duas questões.
Nós quem?
O sr. Lopes e os moscardos?
Rio.
Porque da tragicomédia ainda prefiro a segunda parte.

sexta-feira, novembro 12, 2004

Muito optimismo

Li, há uns tempos atrás, num jornal (do qual não digo o nome, por não me lembrar), uma crónica do sr. Santana Lopes em que preconizava o optimismo e onde denotava a intenção de o “projectar” na nação.
Apeteceu-me rir. A sério que sim.
Agora, é o “nosso” 1.º e dado o que para aí vai, eu gostaria de saber se continua com essas veleidades.
Se sim, onde será o quiosque mágico?

segunda-feira, novembro 08, 2004

Conjugalidade

A princípio, a conjugalidade é pura delícia. Fazem-se muitos jantares sempre à mistura com sorrisos de mel.
Fazem-se planos e projecções.
Mas com a “intensidade” vem a deslinda efectiva.
Há um evoluir da repetição e, a cada vez, as variantes são menos.
O “talento” não se compra no quiosque e a certa altura, na cama, é sempre o mesmo saco de batatas.

quinta-feira, novembro 04, 2004

Velho oeste

A norte a floresta.
A sul a planície e o pôr-do-sol.
A diligência chegou à cidade, ao fim do dia, à frente de um rasto de pó que depressa se transformou em nuvem e depois se dissipou.
Trazia dois passageiros.
Primeiro saiu o sobrinho de sete anos.
E depois a senhora White.
O chapéu azul escuro de aba larga, cintado por uma fita e decorado com plumas multicolor ocultava-lhe o rosto.
Envergava um vestido a concordar com o chapéu, armado, repleto de bordados e lantejoulas reflectindo luzes em todas as direcções.
O xerife, boquiaberto, não conseguiu evitar a mosca.